O "Ataque" da bandeja
Jorge Silvano
Jorge Silvano
Não que eu tenha assistido pessoalmente a este "causo". Nem poderia. Ao tempo, era ainda umacriança e não frequentava, como é lógico, o local do "crime". Trata-se portanto, de tentar relatar uma história que chegou ao meu conhecimento "pela tradição oral" . Talvez outras pessoas do grupo se recordem de a ter ouvido também.
Nos idos de 1961, sentados à mesa da esquina junto ao passeio, da esplanada do "Cardoso", um grupo de alguns (já nessa altura) "veteranos" Sambistas, comentava os acontecimentos recentes que traziam Luanda alvoroçada. Eram os únicos clientes na esplanada e enquanto bebiam uns finos, iam botando "faladura". Pode dizer-se que a esplanada seria o local mais iluminado das redondezas. Do outro lado da Rua da Samba "era mato", não havendo outra construção desde a Rua da Samba até á Avenida de Lisboa, a não ser a já existente "Casa dos Malucos". Embora protegidos pelos arbustos das floreiras, com tudo escuro em redor e eles em local iluminado, fácil será concluir como estavam expostos a qualquer eventual "ataque".
Entre duas "goladas" num fino, dizia um: "Se os gajos vierem ... ... faço assim e assado". Para logo outro afirmar "e eu faço frito e cozido" etc., etc.
Era empregado de mesa o Sr. Fernando, estrábico "de pai e mãe", de quem se dizia (e eu lembro-me muito bem dele) que "olhava contra o governo", exactamente por causa desse problema. Não tendo outros clientes, dado o adiantado da hora e também devido ao "clima", o ensonado Sr. Fernando, aguardava de pé junto à mesa, as ordens necessárias para remuniciar e providenciar o requerido alívio, á secura daquelas gargantas. Tão sonolento estava o homem, que em dado momento "se passou" mesmo. Foi apenas a fracção de segundo necessária para que a bandeja lhe escorregasse das mãos, aterrando no pavimento de cimento. Por estranho que possa parecer, aterrou "de chapa", provocando um som que alguns dos presentes confundiram com o "estampido" de um tiro.
Desapareceram os heróis, "voando" em todas as direcções, procurando o abrigo que os pusesse a salvo do "ataque", enquanto os que se tinham apercebido do sucedido, tentavam consolar o pobre e desolado Fernando que se explicava e pedia desculpa pela "ocorrência".
Como nada mais acontecia, foram aos poucos regressando os "pássaros" e retomando lugar à mesa, quando verificaram que o "mais valente", não tinha regressado. "Se calhar foi p'ra casa", disseram alguns. "Não", disse o Sr. Fernando, "ele foi lá p'ra dentro. Eu vi!"
Procurando o "desaparecido em combate", partiu para o interior do café uma equipa de " busca e salvamento", tendo descoberto o nosso "herói" trancado na casa de banho. Logo o informaram que o perigo "tinha passado". Saiu o "guerreiro" do abrigo e ouviu as explicações sobre o "caso". Indignou-se o homem. Encarando o Sr. Fernando, vociferou: "Pôrra Fernando! Essa merda não se faz! Tens que ter mais cuidado, pá! Nós estamos em guerra, entendes? EM GUERRA, PÔRRA!!
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