Três Sambistas no B.O.
Numa noite de sábado de cacimbo luandense, estavam sentados na esplanada do "Cardoso" bebendo uns finos, três Sambistas. Sem poderem alargar-se muito, diga-se em abono da verdade, devido a auto-imposto "plano temporário de contenção orçamental". Era normal acontecer, os meses serem mais compridos do que os proventos, ditando com alguma frequência estas restrições. Estavamos práticamente "tesos". Esta é a verdade, nua e crua. Tão tesinhos como um pargo com quinze dias de frigorífico, três "gerações" Sambistas partilhavam as agruras do "capital ausente". Irmanados na penúria, o "mais velho" Branco, com idade para ser meu pai, Helder Simões (Dédé) e eu próprio, "contador" do sucedido e sete anos mais novo que o Dédé. Como se pode verificar, a tradição Sambista de convivio e partilha "intergeracional" é coisa antiga que felizmente, continua a existir. A conversa decorria lenta e mole, o tempo custava a passar e nem o fino que se bebia, era suposto "durar" tanto tempo. Foi nessa altura que um carro desconhecido transportando dois ocupantes, parou junto ao passeio, mesmo em frente a nós. Eram conhecidos do Dédé e fizeram-nos um convite irrecusável. Decorria uma festa (daquelas famosas farras dos sábados luandenses) numa casa particular e estavam com um problema, para cuja resolução "contavam com a nossa ajuda e disponibilidade". Tratava-se de nos convidarem para a tal farra, em virtude de sermos uns "gajos porreiros" e não haver na tal farra, homens em número suficiente para as "baronas" disponíveis. "Se vocês quiserem dar-se ao "incómodo", serão muito bem vindos", disseram. Rápidamente se tomou a decisão de "ajudar quem precisava". Ser solidário, foi e sempre será, característica dos Sambistas. A casa em questão, localizava-se no Bairro Operário, conhecido bairro que abrigava não só "damas das casas da luz vermelha", mas também, muitas famílias "de vida difícil", sérias e honestas famílias de trabalhadores. Fomos recebidos como autênticos princípes. Casa de boa gente originária de Cabo Verde, comida farta e de altíssima qualidade, muita e garbosa cerveja, devidamente gelada em barris cheios de gelo picado, música a condizer e as simpáticas donzelas, disputando os novos convidados para dançar. Era o céu! Coisa fina! Muito fina mesmo! Decorria a farra com grande harmonia e animação, quando por essas quatro da madrugada, estalou a "maka". Dançava-se uma daquelas músicas de "constituir família" e um cidadão dançarino, brindava o público com excelente "performance", puxando a "barona" contra si, assim a modos que dois sinais de abrir parentesis, bem coladinhos. Encontrava-se porém na pista de dança, o "mais velho" Branco com o "depósito bem atestado" e que ao ver a bunda do compadre dançarino, passar ao lado dele assim "espichada", não teve dúvidas e "passou-lhe a mão no côco". Não sei porque artes, em menos de um "fósforo", estávamos os três encostados á parede, devidamente postos em sentido, por força da ameaça que representava a ponta da navalha, demasiadamente próxima, para o meu gosto peculiar, do "apparatus gargantorium" de cada um. Com toda a gente em desalmada gritaria, fomos salvos pelos cidadãos que nos tinham convidado. Segundo eles, o ilustre "oftalmologista Dr. Branco", só teria passado a "luva no matako" do dono da casa (nosso anfitrião, portanto), porque a cerveja que por essa hora ele já teria "derrotado", lhe provocara uma certa "baralhação", levando-o a confundir o respeitável "pacote" de "nhô Toninho" com o da "madame" com quem tinha "namorado" a noite inteira. Demorou algum tempo para o homem se convencer da veracidade dos argumentos apresentados pela defesa, mas finalmente "acalmou" quando o "Dr. Branco", corroborou a argumentação dos "advogados", apresentando as suas desculpas e afirmando não ter havido a menor intenção de desrespeitar o dono da casa, muito menos a digníssima consorte e, menos ainda a residência do casal, onde tão fidalgamente tinha sido recebido. Quando finalmente, as desculpas foram aceites, regressaram as "naifas" aos bolsos respectivos e "nhô Toninho" dirigiu-se ao povo. – "Meus amigos, aqui não aconteceu nada! A farra vai continuar e não se fala mais nisso"! E de facto, continuou. Animada e sem problemas, até cerca das oito da manhã. A essa hora foi servido o "matabicho" e despedimo-nos em seguida, recusando tão polidamente quanto possível, o convite para ficar para o almoço. Regressados ao "Cardoso" para o cafézinho da praxe, seguimos depois para as respectivas residências, a fim de dar ao corpo o repouso diurno que os "pássaros da noite", não só necessitam, como sem dúvida ... ...merecem.
Nota final: Ao contar este "ocorrido", pretendi antes de tudo homenagear póstumamente dois verdadeiros Sambistas e meus particulares Amigos. Descansai em Paz, Sambistas Branco e Dédé. A "memória" Sambista não vos esquecerá.





