O Da Gama, o Tormentoso e ... ...um Sambista, claro! (Capítulo Primeiro)
O Sambista Vitorino Tchamutete, ganhara a alcunha de "Salmonete", por força da habilidade com que na Ponte do Carvão, o local preferido para as suas pescarias, capturava os peixes do mesmo nome. Começara, como quase todos os Sambistas, ali pelas bandas da Coreia/Bairro de Sta. Bárbara, por apanhar uns roncadores e umas ferreirinhas e, quando dominava já os rudimentos da arte, começou a fazer-se a águas mais profunda, alugando uma canoa que ximbicava em direcção a certos "fundões", verdadeiros viveiros de garoupinhas, daquelas boas para grelhar e comer com molho de manteiga que, diga-se em abono da verdade, foi também invento da sua lavra, mas cujos créditos , nunca lhe foram atribuídos.
Era na Ponte do Carvão que se encontrava o Salmonete, quando a esquadra do Gama adentrou a baía, sobre a qual se debruça a cidade de Luanda, para lançar ferro, dar algum descanso aos marujos e proceder ao necessário reabastecimento. Manteve-se calmo e sossegado, não embarcando no alarido e euforia que grassou na populaça. Afinal, nem sequer tinha razões para isso. Vitorino era homem multifacetado, embora não fosse de se gabar. Sabia de molho de manteiga, de ventos e marés, era verdadeiro especialista encartado na leitura de barómetros e, reconhecido mestre em correntes frias e quentes, nomeadamente na influência destas no comportamento de bujarronas e e outros panos, sem esquecer os cestos da gávea e patilhões.
Essa atitude de "num tou nem aí", atiçou a curiosidade do Da Gama que, de imediato, ordenou que preparassem a "chata de desembarque". Referem alguns historiadores que o Gama de marinheiro tinha pouco, tratando-se antes de um diplomata negociador, mandatado por El-Rei para negócios de pimentas e canelas. Uóréva! Como se diz em estrangeiro. Certo é que o Da Gama, desembarcou com os seus melhores "veludos", espécie de "naftalinada" farda de gala, reluzente de condecorações e comendas, golas de folhos e competente chapéu a condizer.
Salmonete, "mordeu-lhe" a aproximação, toda salamaleques e ademanes, como era usança nas Cortes da Europa. O Gama com voz educada e fina, apresentou-se: -"Ora muito boas tardes meu jovem amigo, eu sou Vasco da Gama, Almirante desta frota que se dirige para as Indias. Dar-me-á o prezado amigo, a subida honra de me permitir dois dedos de conversa? Vitorino Salmonete, mirou-lhe o porte e a encadernação, e ... ... ... não se conteve: - "Oh meu, pôrra! Engalanado dessa maneira, até pensei que ias p'ró Carnaval do Rio e que tivesses falhado a "volta de mar", vindo parar ao lugar errado, ou que uma qualquer "ventosa", te tivesse afastado do rumo! E limpando aos calções, a mão molhada e algo suja de escamas de salmonete e sangue de mabanga que usava para isco, estendeu a dita ao Gama dizendo: - "Pareces um kota fixe, meu! E também gostei dos teus "pancos" de salto alto e "alta" fivela. No Rio, passavas "fáciu, fáciu" por Mestre Sala da Portela". Juro mesmo que pensei que ias p'rá gandaia, meu!
Baralhou-se o Da Gama. Que conversaa era aquela da "volta de mar", da "ventosa" a transtornar-lhe o rumo, mais o tal de Rio e o Carnaval? – "Poderá o meu jovem amigo explícitar o que lhe vai na mente?" Salmonete, soltou sonora gargalhada, fez um "muxôxo" e abanando a cabeça, falou: - " Oh Da Gama! Eh pá, não me digas que nunca te falaram do Pedro de Belmonte? Nem das Terras de Vera Cruz? Porto Seguro? Nada? – "Infelizmente, a minha resposta é negativa", lamentou-se o Gama. Saiba Vocência ... ... – "Arto aí, oh Demirante! A única Vicência que conheço, vive no Marçal e caté procaso, tamos combinado de ir no merengue do Sô Braguês, em data a marcar portunamente. Começa mazé a me tratar por Salmonete que é melhor".
Fez sinal a um kandengue para que se aproximasse e segredou ao Gama: - "Sabes que nestes dias de calor a língua seca e fica "im-po-ssí-ver" da gente falar. Dá aí umas "massas" a esse kandengue, p'ra ele ir buscar umas "Cucas", senão ... ... ... vais ficar desinformado, meu"!
Desembolsou o Da Gama o "cobre" suficiente para meia dúzia de "granadas" e para a "chuinga" do kandengue, que arrancou em corrida para a loja do Marreco. Em boa verdade, deveria ter escrito Casa Pombo, de Albertino Pombo & Companhia Limitada. Acontece que Albertino Pombo, era dono e legítimo proprietário de protuberante "marreca", daquelas que requerem colchão com cova para acolher a dita, no caso do seu possuidor decidir dormir em decúbito dorsal, e por vias de tal "excesso" ficara irremediávelmente conhecido por Marreco. Nada o irritava mais do que lhe chamarem Marreco na presença da D. Pureza Pombo, amantíssima esposa e sócia no negócio. Pureza no sêcos e Marreco, digo, Pombo nos molhados. Até se conta que certo sábado, dois clientes já meio entrados na pinga, pediam insistentemente: -"Oh Marreco, dá aí mais dois copos!" Cansado da abusadora insistência, o Marreco refilou: -"Já falei muitas vezes que o meu nome não é Marreco!" Um dos clientes pretendeu ser esclarecido e perguntou: "Oh Marreco!Então se o teu nome não é Marreco, qual é o teu nome, oh Marreco?" Zangado, mesmo muito zangado, o Marreco respondeu: - "O meu nome é Pombo!" – "Pôrra, Marreco! Nunca vi um pombo com o papo nas costas!"